Educação

Novo Ensino Médio mudará rotina da comunidade escolar

26/06/2024


 

A aprovação da reforma do ensino médio pela Comissão da Educação do Senado representa mais um passo para mudanças bastante significativas não apenas na rotina de profissionais da educação e de alunos, mas também para as famílias desses estudantes e para as comunidades. Para que seja de fato implementado e garanta a qualidade e equidade na educação, será necessário o empenho e articulação dos entes federados, assim como da comunidade escolar e de universidades, visando a formação de professores para o novo currículo.

Como o texto aprovado do PL 5.230/23 na comissão é um substitutivo, ele terá de retornar à Câmara dos Deputados, caso se confirme a aprovação no plenário do Senado. O texto aprovado prevê a ampliação da carga horária mínima total destinada à formação geral básica (FGB), das atuais 1,8 mil horas para 2,4 mil. A carga horária mínima anual do ensino médio passa de 800 para 1 mil horas distribuídas em 200 dias letivos.

Há a possibilidade de essa carga ser ampliada progressivamente para 1,4 mil horas, desde que levando em conta prazos e metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação (PNE), respeitando uma distribuição que seja de 70% para formação geral básica e 30% para os itinerários formativos – disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo a serem escolhidos pelos estudantes nos três anos da etapa final da educação básica.

Segundo o substitutivo aprovado, da relatora do PL no Senado, Dorinha Seabra (União-TO), a partir de 2029, as cargas horárias totais de cursos de ensino médio com ênfase em formação técnica e profissional serão ampliadas, de 3 mil horas para 3,2 mil; 3,4 mil; e 3,6 mil quando se ofertarem, respectivamente, cursos técnicos com carga específica de 800 horas, 1 mil horas e 1,2 mil horas.

 

Língua espanhola

 

Entre os destaques apresentados pela parlamentar no relatório figura a inclusão da língua espanhola como componente curricular obrigatório, além do inglês. Outros idiomas poderão ser ofertados em localidades com influências de países cujas línguas oficiais sejam outras, de acordo com a comunidade escolar (professores, técnicos administrativos, estudantes e pais ou responsáveis).

 

A ampliação da carga horária e a inclusão da língua espanhola entre as disciplinas a serem ministradas são pontos positivos da reforma, segundo a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos. Ela chama atenção para alguns problemas que podem decorrer da forma como serão implementadas.

“O texto aprovado pela comissão do Senado apresenta alguns avanços, ainda que insuficientes, na comparação com o texto enviado pela Câmara”, disse a educadora à Agência Brasil. “Trazer o espanhol de volta é algo positivo, se levarmos em consideração nossa identidade continental. Mas é preciso estabelecermos uma divisão clara das cargas horárias, uma vez que horas dedicadas a espanhol são horas a menos para outros conteúdos”, disse ela ao destacar ser necessário, também, que haja clareza, no novo ensino médio, com relação não apenas à carga horária de cada disciplina, mas também aos conteúdos que serão apresentados.

Segundo a educadora, o substitutivo manteve brechas especialmente relativas à educação profissional, uma vez que não ficou claro quais seriam as disciplinas que vão compor tais áreas. “É preciso dizer as áreas do conhecimento e, dentro delas, definir disciplinas e carga horária. A nova legislação precisa apresentar e detalhar isso; pegar as áreas de conhecimento e dizer o que vai compor em termos de disciplinas".

Diretor de Políticas Públicas da ONG Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa diz que a obrigatoriedade da língua espanhola no ensino médio será provavelmente um ponto de discordância, quando a matéria retornar à Câmara.

“É possível que a Câmara não acate todas mudanças feitas pela senadora Dorinha no texto. Antevejo discordância de alguns com relação à obrigatoriedade do espanhol no ensino médio. O problema, talvez, seja colocá-lo na parte comum, como mais uma disciplina obrigatória, porque implicaria na diminuição da carga horária de outras disciplinas importantes”, disse.

A solução, segundo ele, seria a de colocar o espanhol como disciplina opcional, em vez de obrigatória. “Se as escolas já funcionassem em tempo integral, não haveria esse problema, porque a carga horária seria maior”, complementou ao lembrar que essa obrigatoriedade foi publicamente criticada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação – o que certamente será usado como argumento pelos contrários.

 

Itinerários formativos

 

Criados com o objetivo de aprofundar áreas de conhecimento ou de formação técnica profissional – levando em conta a importância desses conteúdos para o contexto local e as possibilidades do sistema de ensino –, os itinerários formativos terão carga horária mínima de 800 horas nos três anos de ensino médio.

Na avaliação de Catarina de Almeida, da UnB, o aumento da carga horária do técnico profissionalizante acabaria por resultar na diminuição da formação básica, o que, segundo ela, não seria bom.

“Levando em consideração o atual quadro de professores e a infraestrutura limitada das escolas, o correto seria não fazer essa divisão [entre áreas de conhecimento e técnico profissionalizante], e sim focar exclusivamente em uma formação básica, comum a todos. Isso, na verdade, significa os dois tipos para todos. Ao separar o processo, teremos estudantes com menos informação do básico”, argumentou.

Se for para implementar com essa divisão, que seja, na avaliação dela, aumentando a carga horária total. Nesse caso, ela sugere que se postergue a implementação das novas regras. “A pressa pode atrapalhar a perfeição. Se o Brasil está atrasado nessa reformulação, ficará ainda mais com a necessidade de, depois, ter de fazer mais uma reforma. Isso prejudicaria mais gerações. O melhor é centrar esforços em uma reforma robusta que possa ficar por muito tempo”.

Com relação aos itinerários formativos, a grande preocupação manifestada por parlamentares durante a tramitação do texto foi a de resultarem em conteúdos e atividades de pouca relevância para a formação do estudante. Foi inclusive citado o caso de uma aula dedicada a ensinar estudantes a prepararem brigadeiro gourmet.

A ideia proposta prevê que os itinerários têm de estar articulados com as quatro áreas de conhecimento previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): linguagens e suas tecnologias, integrada pela língua portuguesa e suas literaturas, língua inglesa, artes e educação física; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias, integrada pela biologia, física e química; e ciências humanas e sociais aplicadas, integrada pela filosofia, geografia, história e sociologia.

 

As diretrizes nacionais que aprofundarão cada uma das áreas do conhecimento ficarão a cargo do Ministério da Educação (MEC), em parceria com os sistemas estaduais e distrital de ensino.

 

Tempo integral

 

O projeto em tramitação no Senado aponta para a importância do tempo integral, e isso certamente constará na lei, segundo Gabriel Corrêa, da ONG Todos pela Educação. Enquanto isso não acontece, o Senado propôs a ampliação da carga diária atual, de 5 horas, no caso dos estudantes que optarem por curso técnico. Já a Câmara defende cargas horárias iguais para os dois grupos – técnico profissionalizante e áreas de conhecimento.

“Há alguns problemas com relação ao tempo integral. Um deles é que as redes [de ensino] das secretarias de educação terão de ofertar estrutura para alunos ficarem mais tempo na escola, o que resulta em mais trabalho, recursos e contratações de professores. Outro ponto está relacionado ao risco de os estudantes optarem por uma frente, apenas pelo fato de ficarem menos tempo em sala de aula. Em outras palavras, desestimularia a escolha pelos cursos técnicos, caso a carga horária diária deles seja maior”, argumentou o diretor.

A ONG Todos pela Educação defende que não haja essa distinção entre as duas frentes, até porque mais carga atrapalha a oferta do poder público para a expansão da rede. “O ideal é que todos tenham a mesma carga horária, independentemente do caminho a ser escolhido. Com isso, a escolha é em função da vocação e dos interesses, e não da preguiça de fazer menos aulas. Por fim, isso pode confundir os estudantes, levando-os a acreditar que uma maior carga horária indicaria maior relevância”.

 

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